Mal destranco a pequena gaiola, quase escondida em meio aos enormes cômodos metodicamente alinhados do quarto e, salta em minha mão aquele pequeno roedor, como quem quer colo ou como quem anseia pelo gosto peculiar da liberdade. Calvin, a bola de pelos semelhante a um coelho e a um porquinho da índia simultaneamente (destacando sua cauda de esquilo), remete, inclusive, à uma quimera. Em questão de segundos, ele desata a correr pelo aposento.
Quem vê aquele pequeno animal não imagina o quanto aqueles olhos minúsculos podem apresentar sentimentalidade. Olho aquelas patinhas agarradas à gaiola, pedindo carinho e quando o recebe, seus olhos ficam semi-abertos, igual como faço quando recebo cafuné. Vejo suas expressões faciais, na tentativa de disfarçar quando derruba o bebedouro -eu poderia jurar que é exatamente a mesma da minha cunhada de 4 anos quando desobedece alguma ordem de seus pais. Entretanto, não trato especificamente da humanização da animalidade enquanto percorro estas linhas, mas talvez queira exprimir minha surpresa ao encontrar resquícios de sentimentalismo diante da selvageria humana presente desde os dados estatísticos até o medo de sair na rua.
Lembro-me do momento em que retornei de viagem e busquei Calvin, o qual havia estado com uma amiga minha. "Deixe-o em um lugar alto, por conta de sua cadela" alertei-a. Todavia, quando o busquei, recebi a notícia da quase amizade entre eles (impedida pela altura), e como Calvin fazia festa ao ir de encontro àquela espécie distinta da dele. Será que Calvin é capaz de imaginar as atrocidades as quais muitos de nós, humanos, cometemos com nossa própria espécie? Qual seria a reação dele ao imaginar que são mortas mais de 100 indefesas chinchilas, para a produção de um casaco?
Imaginei Calvin assistindo -e entendendo- os noticiários periódicos. Suponho que ele usaria o manual de instruções para chorar do Julio Cortázar, afinal, chinchilas não choram. Pressuponho, inclusive, como ele reagiria ao assistir a um documentário sobre o sistema de produção alimentício inerente ao sistema capitalista e as decorrentes torturas passada pelos animais, até a hora do abate. Presumo, por fim, que quando se tem empatia, imersos nessa selvageria, é preferível desfrutar da benevolência de uma chinchila.








