Ed Westiwick e meu repudio à naturalização do estupro - DELTA | Cultura online

Ed Westiwick e meu repudio à naturalização do estupro

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A atriz Kristina Cohen postou um relato forte e tocante, no qual outro fator aparece e também choca: a naturalização do estupro. A mulher precisar se calar sobre o assunto, porque isso "prejudica sua carreira", não teria nenhum efeito sobre o agressor e porque ele encontraria outras formas de cala-la. Ou seja, não basta a mulher ser violentada, todos os dias, traumatizada, amedrontada, ela ainda enfrenta o medo de falar no assunto e nós, ouvimos, lemos e presenciamos tantos casos de estupro, que quase não chova mais — inclusive surpreende quando algum ator ou produtor famoso paga pela consequência de seus atos. 

O ator é famoso e bastante conhecido pela série adolescente "Gossip Girl". Na internet era possível perceber pessoas que "deixaram de ser fã", enquanto outros "duvidam que alguém como ele pudesse ter feito isto". Entretanto, o que seria 'alguém como ele'? 

O relato da vítima é chocante e foi traduzido para o português: 
"O último mês tem sido incrivelmente difícil. Como tantas mulheres, também tenho uma história de assédio sexual e o derramamento de relatos tem sido, ao mesmo tempo, um gatilho e emocionalmente exaustivo. Fiquei em dúvida se deveria falar. Se eu poderia falar. E, se sim, se seria ouvida.

Fui abusada sexualmente há três anos. Foi um período sombrio da minha vida. Minha mãe estava morrendo de câncer e não tinha um sistema de apoio ou tempo para processar e lidar com as consequências do estupro. Enterrei minha dor e culpa para dar espaço para o golpe que veio depois da morte da minha mãe, três meses mais tarde.

Mesmo agora, lido com os sentimentos de culpa. Preocupação infundada que, de algum modo, eu fui culpada. Não sei de onde esses sentimentos vem. Condicionamento social de que tudo é sempre culpa da mulher? Que um homem é incapaz de se manter longe dos nossos corpos por causa de nós e não dele?

Cresci consideravelmente em três anos, desde do abuso, então revisitá-lo é doloroso. Reviver essa noite para compartilhar os eventos corretamente parece uma continuação da violação. Sinto nós no estômago, medo de dizer tudo isso publicamente, assim como foi um processo difícil me reconciliar comigo mesma.

Na época, namorava um produtor amigo do ator Ed Westwick. Foi o produtor que me levou até a casa de Ed, onde o conheci pela primeira vez. Queria sair quando Ed sugeriu que "nós todos deveríamos foder". Mas o produtor não queria que Ed se sentisse mal com nossa saída. Ed insistiu que ficássemos para o jantar. Eu disse que estava cansada e queria ir embora, tentando sair de uma situação que já era incômoda. Ed sugeriu que tirasse um cochilo no quarto de hóspedes. O produtor disse que ficaríamos por mais uns 20 minutos para amaciar tudo e, então, poderíamos ir.

Então fui e me deitei no quarto de hóspedes, onde eventualmente dormi. Fui acordada abruptamente com Ed em cima de mim, com seus dedos entrando no meu corpo. Pedi que ele parasse, mas ele era forte. Lutei contra ele o máximo que pude, mas ele pegou meu rosto pelas mãos, me chacoalhando, dizendo que queria me foder. Fiquei paralizada, amedrontada. Não podia falar, não podia mais me mover. Ele me segurou e me estuprou.

Foi um pesadelo e os dias que se seguiram não foram melhores.

O produtor me culpou, dizendo que fui uma participante ativa. Dizendo que eu não poderia dizer nada porque Ed conhecia pessoas que viriam atrás de mim, me destruiriam, e eu poderia esquecer da minha carreira de atriz. Dizendo que não tinha meios de eu sair dizendo que Ed 'me estuprou' e que eu não queria ser 'essa garota'.

E, por muito tempo, acreditei nele. Não queria ser 'aquela garota'.

Agora percebo os meios com os quais os homens no poder são predadores com as mulheres e qual é a tática usada tão frequentemente na nossa indústria e, certamente, em muitas outras.

Estou enjoada de ver homes como Ed respeitados publicamente. Entrevistados por plataformas prestigiadas, como a Oxford Union Society da Universidade de Oxford, na qual foi honrado como uma das 'pessoas que moldam nosso mundo'. Como isso termina? Homens como Ed usando sua fama e poder para estuprar e intimidar, mas continuando a receber elogios do mundo todo.

Espero que meu relato ajude outras pessoas a saberem que não estão sozinhas, que elas não são culpadas, e que não é culpa delas. Assim como o relato de outras mulheres e homens me ajudaram da mesma forma. Espero que minha história e a história dos outros ajudem a resetar e realinhar o ambiente tóxico e o desequilíbrio de poder que criou esses monstros".

Ao tratar do assunto, muitos veículos chamaram o caso de assédio, mas é preciso dar nome aos bois. Estupro, violência, agressão. É preciso dar o nome, é preciso reconhecer e é preciso repudiar o ato e a naturalização deste na nossa sociedade. Em comentários muitas pessoas se perguntavam se a história é real e que precisava de apuração. O que é verdade, é preciso apuração e todos têm o direito de se defender, mas me impressiona como um dos primeiros atos das pessoas é questionar a veracidade da história, antes mesmo de se preocupar com o trauma sofrido ou com a violência que o ator exerce nesta e em outras pessoas. Não houveram questionamentos sobre a segurança dela, se o acusado poderia ameaça-la e todos os riscos que ela corre (porque existem muitos riscos quando a vítima denuncia). O primeiro impulso da naturalização do estupro foi questionar a veracidade da história. E nós precisamos repudiar a naturalização do estupro. 

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